terça-feira, 22 de novembro de 2011

Capítulo 27 - Tocaia dos Mortos

         AS ÁGUAS DO RIO OROWO ATINGIRAM O MÁXIMO DA ENCHENTE, MARCANDO ASSIM O FINAL da punição de Yepá pela morte de Waripa e deixando Tawacã apreensiva pelo fato do caboquena se recusar a voltar à ilha Saracá. Ela queria rever os parentes depois de três ciclos de águas cumprindo também seu banimento. O cacique da nova aldeia achava, e disse isso à esposa, que havia muito a se fazer em Maquaraçu, pois as águas altas trouxeram mais índios do Sanabani expulsos pelo agravamento das lutas nas terras dos bararurus. No entanto, Tawacã havia completado a cota de sofrimento vivendo afastada de sua tribo, ao lado do esposo, enquanto ele cumpria o exílio, mas chegara o momento de retornar à ilha, rever os pais e saber notícias do povo.
         Com determinação, Tawacã preparou-se sozinha para a longa viagem, arrumando os filhos que a acompanhariam na descida do rio Orowo, em plena cheia, quando as correntezas são mais traiçoeiras e os ventos levantam banzeiros capazes de emborcar as embarcações mal comandadas. Yepá fora alertado e encontrou a esposa nas margens do rio, com os filhos embarcados, disposta a seguir viagem. Ele não teve argumento capaz de convencer a mulher a mudar de idéia, ficando na difícil situação de atender a esposa ou deixá-la seguir sozinha, e isso certamente não faria. Yepá pediu mais dois dias para ajeitar a grande cabana que estavam construindo e outros três até a obra estar totalmente completada, mas esbarrou na recusa de Tawacã em deixar a praia se não fosse para ir até a ilha Saracá. Ele até implorou um pouco mais, dizendo que seria capaz, caso todos os outros índios também ajudassem, de completar tudo em dois dias apenas, mas como não obteve sucesso na empreita só lhe restou nomear Jamapuá seu substituto na aldeia, deixando ordens expressas pela conclusão dos trabalhos.
         - É preciso tirar muitas toras de acariquara e fazer os esteios da cabana, recomendou o cacique aos homens, desenhando com os dedos na areia um esboço do formato de como elas deveriam ser fincadas no solo, dando sustentação à obra.
         Os guerreiros se prontificaram seguir as determinações, com Jamapuá dizendo conhecer um local na selva onde poderiam encontrar muitas árvores de acariquara e atender as ordens do cacique. Yepá se preocupava com a realização dos planos e queria a aldeia preparada para receber todos aqueles que precisassem de um lugar seguro, onde viver em paz e assim continuou recomendando novas instruções.
         - É preciso escolher bem as palhas e não deixar goteiras no teto, disse o cacique e todos responderam afirmativamente com a cabeça.
         - Também é necessário partir com cuidado as toras de açaizeiro, para o piso da cabana, se não as tábuas ficam irregulares e com muitas felpas, ordenou e outra vez seus bravos sacudiram a cabeça positivamente.
         Em seguida escolheu alguns guerreiros para acompanhá-los até a ilha Saracá, porque um cacique não pode visitar uma tribo aliada sem sua comitiva e, enfim, embarcou na canoa com a família, sentando-se na proa da maior delas, tomando o comandar da esquadra. Os outros bravos também se acomodaram nas canoas e, cada um com seu remo, deram início à viagem e já estavam se afastando das margens quando o cacique se lembrou de novas recomendações e teve de gritá-las para serem ouvidas pelos comandados.
         - Não deixem de pescar todos os dias e de caçar a cada três, berrou Yepá aos índios na praia. E cuidem do roçado porque os catitus podem atacá-los durante a noite, ordenou enfim e todos na beira sacudiram a cabeça à maneira do sim.
         A viagem transcorreu com tranqüilidade sob a proteção dos igapós, mas quando a noite os encontrou no caminho foram obrigados a armar acampamento numa praia, onde esperaram as luzes do sol do novo dia para seguir caminho até a ilha Saracá, avistada ao longe quando outra noite já despontava no horizonte. Os guerreiros intensificaram as remadas e as canoas cruzaram a foz do Orowo, atingindo as águas do Canaçari, já sob o brilho das estrelas. Depois contornaram a ilha pelo lado do Marupá, evitando assim as águas do Estreito por causa das incertezas na fronteira entre os territórios dos guanavenas e bararurus. A tropa saiu por trás do Mucajatuba e os índios avistaram a aldeia de Tawacã iluminada pelas fogueiras e pela lua cheia que surgia por cima das terras da Ponta Grossa, no outro extremo do lago. A recepção aos visitantes foi calorosa por parte dos parentes de Tawacã, mas Taobara teve de ser contido por Pikiwaha, quando soube da volta à ilha Saracá do caboquena banido e quis romper a trégua acertada com o pajé Nahpy, que garantiu a paz na aldeia durante este tempo todo.
         - Não vou aceitar a volta de Yepá à aldeia, brandiu o cacique guanavena aos seus bravos mais próximos.
         - Este não é o momento de desavenças abertas contra a família de Nahpy, afirmou Pikiwaha, que nesta época era a pessoa a quem Taobara mais escutava.
         As notícias da chegada de Yepá davam conta de que o caboquena se tornara cacique da nova aldeia no rio Orowo, formada com muitos dos bararurus fugidos das terras do Sanabani. Diziam também que ele se encontrava na ilha com seus homens, armados, e pronto a se juntar aos cunhados na decisão do destino da aldeia dos guanavenas. Yepá não pretendia se fixar entre os parentes da esposa, pois seus pensamentos estavam voltados às terras dos ancestrais, onde ele agora comandava a própria tribo e organizava a aldeia que traria de volta à vida aos caboquenas. Estava na ilha por imposição da esposa e sua chegada, embora tivesse quebrado a tranqüilidade de ambos os lados adversários na aldeia, não significava a ruína da paz entre os guanavenas. Por isso evitou desde os primeiros momentos conversas reservadas com Aiauara e Byrytyty, os dois cunhados que contavam com este novo rearranjo das forças guerreiras e por fim à liderança de Taobara.
         - Voltei apenas para satisfazer a vontade de Tawacã, disse Yepá aos cunhados na mesma noite quando chegaram à ilha.
         Aiauara e Byrytyty se desapontaram com a atitude dele. Os irmãos acreditavam na possibilidade de o novo cacique reunir seus homens no combate final contra Taobara e assim restaurar a paz definitiva também no Sanabani, onde a luta entre Imbiri e Mapaxe a cada dia se acirrava, com ataques até ao Estreito, onde também se refugiavam algumas famílias bararurus. A determinação dos irmãos fora contida todo esse tempo por Nahpy, cuja palavra empenhada a Taobara queria manter como forma de preservar a paz entre os guanavenas e o cumprimento da punição dada a Yepá, considerada branda demais pelo cacique e agora totalmente paga. A tensão na aldeia era um risco a todos, principalmente devido às imprevisíveis reações de Taobara, se ele se sentisse acuado ou sua liderança fosse contestada de forma tão desafiadora como fora por Byrytyty na ocasião da morte de Waripa.
         A vontade de Yepá era retornar o mais rápido possível ao Orowo, mas a cada dia Tawacã colocava novas objeções ao retorno da família a Maquaraçu, pouco se importando com a sorte dos bararurus vivendo nas terras dos ancestrais do esposo, embora lá ele fosse o cacique e organizador da aldeia. A índia pretendia se estabelecer em definitivo na ilha Saracá, dando continuidade ao aprendizado dos conhecimentos de pajé, se vendo mais como a substituta de Nahpy, em sua aldeia natal, do que esposa do cacique numa tribo de excluídos, formada por bararurus com nada da cultura de sua gente. Tawacã estava determinada a ficar, mesmo contrapondo-se à vontade do marido. Ela esticava os dias com os parentes, depois de três ciclos de águas afastada de ilha Saracá que consolidaram nela a vontade de cumprir o destino que lhe fora traçado pelo pai, desde quando era criança.
         A estadia da família se prolongou por outra lua cheia e então passaram a chegar notícias vindas de Maquaraçu, e elas contavam as desavenças entre os bararurus, reproduzindo na nova aldeia as brigas antigas do Sanabani e pondo em risco a própria existência da comunidade fundada por Yepá. Isso o fez tentar convencer a esposa da necessidade do retorno ao Orowo, onde sua presença era exigida para pôr ordem na situação. Embora o momento tivesse gravidade, Tawacã se recusou a seguir o marido e ele então retornou sozinho ao convívio de sua gente, acompanhado por parte dos guerreiros, enquanto outra metade ficou na ilha para garantir a segurança da esposa e dos filhos contra qualquer ameaça que por ventura pudesse acometer-lhes.
         O caboquena partiu ao Orowo e encontrou a aldeia em pé de guerra. Em sua ausência, os bararurus passaram a contestar a liderança de Jamapuá e iniciaram as contendas trazidas de suas terras, espalhando destruição em Maquaraçu, cujo objetivo de Yepá era tornar um lugar sem brigas. O cacique retomou o comando da tribo, impedindo novos embates entre os bravos, mas o trabalho que lhe roubou tantas forças estava perdido. A convivência harmônica não pode mais ser imposta depois do sangue manchar as terras do Orowo e fazer nascer desconfiança entre os índios, que impediu até mesmo o término da grande cabana, onde deveriam ser realizadas as grandes confraternizações da aldeia.
         Yepá ainda tentou reorganizar a tribo, mas os estragos eram impossíveis de ser corrigidos. O cacique convocou todos a participarem da construção de novas cabanas e concluírem a maior de todas, mas os índios entravam nas matas e mesmo depois de muitos dias retornavam com apenas punhados de palhas ou feixes de madeiras insuficientes para completar a obra inacabada ou dar início às novas. Também nos roçados estavam as marcas do desestímulo. A mandioca ainda por ser colhida era tomada de erva daninha, roubando os nutrientes da terra e comprometendo a qualidade da safra seguinte, além de serem atacadas constantemente por porcos selvagens sem que os índios ousassem expulsá-los ou abatê-los, preocupados que estavam com as questões antigas de quem seria o melhor cacique dos bararurus: Imbiri ou Mapaxe.
         A aldeia Maquaraçu estava destinada ao fracasso sem a presença de Yepá, pois era o cacique quem costumava sair para caçar e pescar, trazendo alimentos fartos a todos os moradores, e também participava das coletas das frutas, sendo somente ele a conhecer a localização das árvores da estação propícia e encorajando aos demais índios a nunca deixar a fome se apoderar das forças deles. No entanto, os bararurus estavam fatigados da vida mansa oferecida a eles por Yepá e queriam participar das aventuras guerreiras travadas nas terras do Sanabani, onde se desenrolava as brigas entre os dois maiorais da região. Somente com a vitória de um deles seria possívil unir novamente a tribo e pacificar os ânimos de todos. O chamado ao combate se fazia ouvir com grande intessidade na aldeia de Yepá e o próprio cacique não compreendia como os índios podiam trocar a tranqüilidade oferecida pela aldeia Maquaraçu por enfrentamentos nas matas entre grupos rivais, nos quais a morte era quase certeza.
         Yepá chamou Jamapuá e conversaram sobre a vontade dos índios retornarem às suas terras, mas o fiel aliado não quis dizer que os bararurus preferiam enfrentar as incertezas da luta por se acharem na obrigação de tomar parte nas disputas pelo poder na aldeia do Sanabani. Jamapuá só disse que estava deixando Maquaraçu para cobrar os direitos dos parentes na liderança da tribo, querendo outra vez reuni-los, com eles formar outra facção e negociar com qualquer um dos lados da contenda. O bararuru confirmou o retorno à terra ancestral, agradecendo muito à hospitalidade oferecida a eles por Yepá, mas que sua obrigação, enquanto guerreiro, era lutar ao lado de sua gente, por isso se levantou respeitosamente, embora decidido, e deu as costas ao cacique, que voltou a ser o que realmente era: líder apenas de si mesmo.
         O esvaziamento da aldeia Maquaraçu foi questão de dias e Yepá se encontrou outra vez sozinho em seus domínios, com inúmeras cabanas sem moradores e comida bastante para uma boca só, posto que mesmo sem seus guerreiros, o caboquena mantinha a rotina de sair para pescar todos os dias. Ele aproveitou o início da vazante nos igapós para capturar os peixes que acompanhavam a retirada das águas depois de fartarem na abundância da enchente. Também fazia incursão pelas matas, de onde invarialmente voltava carregado com queixadas e mutuns, que largava no jirau a espera de quem os tratassem. O caboquena acendia a fogueira e colocava todo o alimento no fogo, como se esperasse o retorno da tribo a qualquer momento, e então comia na solidão do exílio e o resto era devorado pelas formigas que estavam tomando conta da aldeia na falta de gente para habitá-la.
         A vazante fez outra vez do Orowo um caminho sinuoso de águas calmas, com imensas praias a serem percorridas e onde Yepá se sentava nas sombras das árvores esperando a volta dos bararurus, como tivera a oportunidade de ver nos ciclos das águas anteriores. Sua vigília era em vão, com seus índios agora ocupados no engalfinhamente das lutas pelo poder nas terras do Sanabani, e bem poucos se lembravam da aldeia Maquaraçu, onde os aguardavam o cacique sem bravos. Yepá estava sendo derrotado pela espera do seu povo e sua serenidade, sempre ativa, começava a fraquejar diante dos delírios da solidão, entre lembranças dos ancestrais e as recordações dos tempos recentes de cacique, que confundiam as memórias, a ponto de se sentir outra vez prisioneiro das guerreiras de Mauara, quando todo seu vigor físico estava voltado ao prazer das mulheres que o mantinham cativo, dentro do espírito e no coração.
         - Mauara, balbuciou Yepá quando viu a figura de uma mulher entrando na cabana onde ele dormia há três dias motificado pela solidão e os delírios da loucura.
         Era Tawacã quem veio resgatá-lo, juntamente com os irmãos e Nahpy, depois de chegar na ilha Saracá a notícia do abandono de Maquaraçu, onde apenas vivia o cacique envolto nas recordações de tempos remotos e recentes, mas ambas tão dilacerantes que deixaram o guerreiro acostumados as mais improváveis provações em estado moribundo. Aiauara e Byrytyty ajudaram Yepá a se erguer da rede na qual se encontrava prostrado, depois de passar dias sem comer, embora o jirau permanecesse coberto de alimento estragado, numa situação de abandono e miséria que tirou dos olhos de Tawacã as lágrimas de compaixão pelo estado do esposo.
         - Vamos, homem! Levanta dessa rede que teus filhos precisam mais de ti do que esse bando de bararurus desterrados, disse Tawacã ao esposo, oferecendo mais um ombro a Yepá, que precisou ser carregado nos braços de Byrytyty e de Aiauara, enquanto o pajé jogava nele ungüentos para reviver seu espírito alquebrado.
         Os parentes de Yepá o levaram de volta à ilha Saracá, mas foi preciso algum tempo e muito cuidado de Nahpy para o guerreiro poder novamente representar ameaça aos interesses de Taobara, que não ficou um único dia sem se interar da situação do caboquena, quando este caiu doente. O cacique sempre vira na figura de Yepá a constante fonte de preocupação, embora fosse Byrytyty o principal alvo de seus receios. No entanto, o maioral entendia a situação pelo lado familiar e o filho mais novo do pajé era seu sobrinho, por isso também um possível sucessor, mas Yepá vinha de outra tribo e encontrara respeito entre os guanavenas encantados pelas habilidades de caçador e de pescador, além de ser tratado como ser mítico, sobrevivente de grandes aventuras e impossível de ser morto, como bem provara a cabeça de Waripa, que ele havia decepado e posto nos braços de Taobara.
         O remédio que salvou Yepá foi a presença da família e em pouco tempo o caboquena retornara às atividades de caçador e pescador, saindo com os cunhados em largas temporadas nas florestas e lagos e retornando outra vez na abundância com a qual sempre presenteara os moradores da ilha Saracá. Era agora mais ativo nas conversas e não se furtava a opinar sobre a situação das tribos aliadas, chegando inclusive a propor uma incursão ao território dos bararurus, se sentindo ligado aos destinos dos índios que um dia conheceram seu comando. Byrytyty se mostrou receptivo à idéia, embora Aiauara preferisse manter distância prudente dos conflitos internos no Sanabani. A questão foi levada ao pajé e este recomendou manter contato com a facção comandada por Mapaxe, porque ao lado de Imbiri estavam Pikiwaha e bravos guanavenas, participando ativamente do conflito.
         Yepá se prontificou a viajar até o rio Itapani, território dos revoltosos, para conversar com Mapaxe e saber de suas intenções caso conquistasse o poder definitivo sobre os bararurus. Byrytyty o acompanharia, assim como os mais próximos guerreiros sob seu comando, todos impacientes por participar das lutas, sempre adiadas pela paciência estratégica de Nahpy, que servia como freio às intenções beligerantes do filho mais moço. Prepararam a viagem em poucos dias e saíram na madrugada em canoas sorrateiras pelas bandas do Estreito, mas antes do sol surgir no horizonte desembacaram numa praia, onde enterraram as naves e se embrenharam pelas matas, seguindo próximo ao leito tortuoso do rio Sanabani, dispostos a enfrentar muitos desafios e obstáculos numa terra de conflitos. Eles se depararam com patrulhas de índios seguindo em todas as direções, mas os ouvidos do caboquena sempre as percebiam primeiro e assim evitavam o encontro, que tanto poderia ser amigável quanto trágico.
         Caminhando na selva, o grupo formando por Yepá, Byrytyty e alguns bravos guanavenas chegou à região onde o Itapani deságua no Sanabani. Estavam agora no centro do conflito e chegaram a presenciar as escaramuças entre os bararurus, mas permaneceram escondidos no mato, esperando o momento oportuno de fazer contato com os guerreiros aliados de Mapaxe. A briga entre eles não durou muito tempo e logo a facções aliada de Imbiri bateu em retirada, deixando a foz do Itapani sob a ameaça constante dos rivais. Byrytyty conhecia esta tática de guerra e sabia que no outro dia os combatentes se enfrentariam em lutas rápidas, só o suficiente para deixar o inimigo em alerta constante.
         Da mesma forma como Byrytyty imaginara, na outra manhã os combates reiniciaram com intensidade suficientes de gerar apenas feridos e, tão rápido quanto começou, foi declarada a paz, sem nenhum grupo mostrar capacidade de vencer definitivamente ao outro, por isso as agressões eram superficiais, algo como para lembrarem que estavam em guerra. Yepá resolveu se mostrar aos índios que guardavam a entrada do Itapani quando reconheceu entre eles Jamapuá e foi recebido da mesma forma hospitaleira quanto recebeu os bararurus desgarrados em sua aldeia.
         - Leve-nos até Mapaxe, disse Yepá a Jamapuá. Nós queremos lhe oferecer apoio, com qual vencerá Imbiri.
         O cacique revoltoso recebeu o grupo com grande satisfação, embora se mostrasse receoso em relação aos guanavenas, pois já os enfrentara diversas vezes sob o comando de Pikiwaha. No entanto, Byrytyty o fez crer que não estavam a mando de Taobara, e sim contra ele, e dispostos a destituí-lo. O golpe inicial contra Taobara seria dado ali, inflingindo-lhe as primeiras derrotas nas matas do Sanabani para enfraquecer suas tropas quando do golpe final na ilha Saracá. O bravo guanavena se prontificou a participar das lutas contra os aliados de Imbiri no embate diário na foz do Itapani, sacramentando a aliança duradoura entre as duas tribos, como sempre fora em todos os tempos.
         Yepá agora estava ansioso por brigar e, na manhã seguinte, formava a linha de frente, juntamente com Byrytyty, que surpreendeu os adversários quando eles chegaram como sempre, com os primeiros raios de sol e se anunciando desde muito longe com insultos a Mapaxe. Os guerreiros comandados por Jamapuá esperaram os inimigos adentrarem no Itapani sem serem molestados, o que não acontecia normalmente, mas eles estavam tão distraídos na rotina das lutas que não perceberam a cilada na qual estavam se enredando. Quando enfim os adversários se puseram na frente para barrar-lhes o caminho, os invasores impunharam as bordunas em posição de ataque, mas foram surpreendidos pela retaguarda com a formação de Yepá e de Byrytyty e não tiveram outra alternativa a não ser a rendição sem luta.
         Todo o grupo foi aprisionado e levado até a aldeia rebelada de Mapaxe, onde os adversários ficaram amarrados em troncos no aguardo do desenlace final da luta. Os guerreiros estavam dispostos a descer o Itapani e impor derrota definitiva às tropas de Imbiri e os aliados guanavenas. Porém, Byrytyty tinha outros planos, mas precisaria retornar até a ilha Saracá e receber o aval do pai e do irmão Aiauara, enquanto Yepá preferia permanecer entre os bararurus e participar ativamente da campanha que expulsaria os inimigos das terras do Sanabani.
         - Não sejas precipitado, disse Byrytyty ao cunhado. Nós vamos retornar até a ilha Saracá e voltaremos com todas as nossas tropas para o ataque final contra Imbiri e Taobara.
         Os cunhados voltaram sozinhos, deixando os bravos guanavenas que os acompanhavam ao lado de Mapaxe, fortificando assim as tropas revoltosas caso Imbiri resolvesse atacar com o grosso de seus homens, numa retaliação ao aprisionamento dos aliados. Caminharam pelas matas sem problema e atravessaram o Sanabani durante a penumbra do início da noite. Quando o céu se banhava de estrelas os dois chegaram por fim à aldeia dos guanavenas, onde se reuniram imediatamente com Nahpy e Aiauara. Eles contaram sobre as primeiras batalhas contra as tropas de Imbiri e de como foi fácil vencê-las. Embora o pajé fosse sempre receioso das bravatas do filho, desta vez foi obrigado a ouvi-lo através do endosso de Yepá, enebriado pela mesma vontade resoluta de por fim à liderança de Taobara.
         - Podemos vencê-los facilmente, afirmou Byrytyty ao pai, mostrando a mesma confiança de sempre quando o assunto era guerras.
         - Os guerreiros de Imbiri estão despreparados para a batalha decisiva, confirmou Yepá, acrescentando ainda que um ataque determinado traria fim às pretenções de cacique bararuru e, por conseqüência, aos planos de Taobara em manter na liderança dos guanavenas e fazer de Pikiwaha seu sucessor.
         Nahpy queria esperar mais um pouco até dar a ordem definitiva e selar o destino dos guanavenas e de toda a região do Canaçari, mas ele sabia que um conflito entre os guerreiros da aldeia derramria o sangue precioso da tribo, tão necessário quando os verdadeiros inimigos se pusessem a reclamar os territórios dos ancestrais. Byrytyty contava com vitória avassaladora, sem que fosse necessário eliminar muitos dos guerreiros adversários e, depois de findo os conflitos, reunir todos sob sua liderança, ou sob a de Aiauara. O momento decisivo se aproximava e não haveria tempo a vacilação, ainda mais com Pikiwaha sabendo de guanavenas lutando ao lado de Mapaxe, confirmando assim sua desconfiança em relação aos primos.
         - Façam o que considerarem melhor a todos nós, declarou Nahpy aos filhos e ao genro, deixando o local onde estavam reunidos depois de autorizar as ações que deveriam ser tomadas em relação a Taobara.
         Byrytyty assumiu o comando do grupo nesse momento e propôs o aprisionamento imediato do cacique e a convocação do conselho dos anciãos para a manhã seguinte, na qual seria decidido o destino de Taobara. Aiauara e Yepá concordaram com as ações e resolveram chamar os guerreiros aliados para partir em busca do cacique e aprisioná-lo. Logo toda a aldeia estava sendo vasculhada na surdina, com os bravos procurando pelo cacique até que a notícia chegou causando alvoroço em todos: Taobara estava na praia do Terceiro, como sempre, reunido com os homens mais fiéis ao seu comando.
         Os guerreiros traçaram os planos do cerco ao local onde se encontrava o cacique dos guanavenas, com Byrytyty e os comandados seguindo pela praia, enquanto Aiauara e Yepá deveriam subir o morro da Vista Bela e impedir a fuga do adversário pelo igarapé da Barra da Costa. O cerco foi montado com todos os detalhes para ser uma luta rápida e com oportunidades de rendição por parte dos inimigos. Antes mesmo dos pássaros darem início à saudação do sol os bravos se lançaram ao ataque, surpreendendo o cacique e seus homens que se renderam sem luta, pois era impossível combater em número tão inferior quanto era a guarnição de Taobara.
         - Sou eu quem vocês querem, bradou o cacique ao ser cercado pelos guerreiros de Byrytyty, sem mostrar nenhum receio de qual seria seu destino. Aqui estou, seus traidores!
         - Taobara, tu és prisioneiro dos guanavenas e acusado de trair o sangue de nossa tribo e a honra de nossos ancestrais, argüiu Byrytyty, que assumira em definitivo o comando das tropas, dando ordem para que os bravos aliados do cacique deposto fossem amarrados e levados à aldeia, onde já aguardavam os anciãos da tribo para dar início à reunião.
         Os bravos vencidos foram levados até a aldeia sob a custódia de Byrytyty e seus guerreiros, onde seriam julgados pelo conselho dos anciãos. Nahpy iniciou a reunião, invocando a proteção dos ancestrais e as forças dos espíritos bons da selva porque o destino de um homem seria determinado ao final do encontro. Taobara protestou quando viu entre as pessoas que iriam julgá-lo Tawacã e Yepá, por considerar que nenhum dos dois tinha o direito de estar ali, a índia por ser mulher e o caboquena por não ter sangue guanavena. No entanto, Nahpy mostrava sua força ao impor o julgamento ao irmão do qual tantas vezes discordara, mas não o considerava inimigo, tanto que pretendia imputar-lhe a pena de banimento, tal qual aplicara ao genro quando da morte de Waripa.
         A reunião se estendeu por toda a manhã, com os anciãos discutindo as ações e atitudes de Taobara, desde a morte de Itaúna e as guerras travadas contra os muras até a aliança contra esses inimigos, que resultou no extermínio da tribo dos caboquenas. O cacique deposto escutava as acusações sem tirar o sorriso do rosto, acreditando ter ainda um trunfo para causar reviravolta na situação: Pikiwaha, que combatia nas terras do Sanabani, mas estaria na ilha Saracá em pouco tempo quando soubesse do aprisionamento e do julgamento do pai.
         Entretanto, a reunião do conselho não se estendeu por muito tempo e quando o sol se colocou no alto do firmamento, um alvoroço chegou à cabana onde ocorria o julgamento de Taobara trazendo a notícia de uma frota de grandes canoas se aproximando da ilha Saracá pelas bandas da Ponta Grossa, sem que ninguém soubesse dizer de qual tribo poderiam ser os visitantes. Todos se dirigiram à praia com o intuito de observar a aproximação da embarcação que navegava impulsionada pela força do vento e com grandes remos nas laterais. Deixaram Taobara amarrado no centro da cabana e nele aumentou a esperança de estar chegando o auxílio que o salvaria do julgamento de seus pares.
         - Eles são parecidos com os guerreiros que eu avistei passando pelas águas do grande rio Amarelo, confessou Yepá aos índios em seu redor quando os homens desembarcaram das canoas com os rostos cobertos por longas barbas, os pés protegidos com calçados de couro e as mãos empunhando afiadas lâminas e estacas em cruzes.
         - O que será que eles trazem? cochichou Nahpy no ouvido da filha.
         - Acho que eles trazem o nosso fim, respondeu Tawacã.